terça-feira, julho 25, 2006

A CAMISOLA


Era o aniversário de Monique, minha namorada e eu não sabia o que dar a ela. Pra falar a verdade eu nem sabia direito do que ela gostava. Monique era o tipo de pessoa que falava tanto e fazia tanta maluquice que no começo do dia, minha cabeça girava, antes do almoço, eu já tinha levado dois beliscões, de tardezinha, o bate-boca era certo e à noite não faltava dormir bem abraçadinho. Isso era o mais previsível que ela conseguia se mostrar. Portanto eu sabia apenas que ela sempre gostou muito de filmes. Assistíamos todo fim-de-semana vários filmes e sempre discutíamos sobre eles. O que vou dar a ela? Óbvio, não é?

Acessei uma loja online e procurei com todo afinco por um filme que ela gostasse. Cansei. Resolvi apelar. Fui à seção de lingerie e vi uma camisola muito indecente. Tão indecente quanto uma camisola com estampa de “Dee Dee” do “Laboratório de Dexter” poderia possivelmente ser. Só de brincadeira, coloquei no carrinho, vi quanto ficava o frete e displicentemente voltei a procurar pelos filmes. Finalmente achei um que valia a pena (ou então era apenas o cansaço me fazendo pensar dessa forma), coloquei no carrinho, tomei o cuidado de retirar a camisola (do carrinho, é claro), mandei embalar para presente e entregar na casa dela, pra fazer uma surpresa e usei meu Cartão de Crédito Super-Afiado para pagar.

No dia que o pacote deveria ter chegado, minha Monique me ligou toda melosa. Queria me ver urgentemente. “Que legal” pensei. “Passar o dia vendo filme tentando por a mão por baixo da saia e chegar em casa me doendo de novo”. Cheguei lá, entrei no quarto dela e lá ela estava, com um brilhante sorriso no rosto, um pacote aberto em cima da cama ao seu lado e vestida com uma incrivelmente indecente camisola com uma grande estampa de “Dee Dee” no meio. A loja havia errado meu pedido e eu, de tão feliz que um equívoco tão improvável tivesse resultado numa situação tão favorável para mim, esqueci de reclamar e agradeci não ter que ver filme naquele dia.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

A ENCARADA

Nunca fui bom para diferenciar as encaradas. O que são as encaradas? Significa que você é atraente ou que simplesmente melou a cara de pasta de dente e não percebeu?

Certa vez, caminhava pela minha rua, quando veio em minha direção uma moça muito atraente. Ela me encarou o tempo todo até passar por mim e sumir no cruzamento. O que foi aquilo? Chequei o rosto, não tinha resto de comida, nem pasta, nem meleca, a barba estava feita e o cabelo arrumado. Por eliminação, ela deu em cima de mim! Será?

Cheguei em casa e meu pai foi logo me abordando: “Toma aqui os bilhetes da loteria, vai na Internet e confere pra mim.” Como se fosse uma longa peregrinação chegar na “Internet”. Quase pedi o dinheiro da gasolina.

Conferi o jogo e nada. Apenas um mísero terno onde os outros três números ele errou pela diferença de um. Meu pai tem talento pra isso. O pior é que ele fica eufórico: “Olha aqui, ó! Saiu 12 e eu joguei13, saiu 37 e eu joguei 38 e saiu 41 e eu joguei 40! Tá vendo? Um dia eu chego lá.” Como se a aleatoriedade de acertar na loteria fosse um processo evolutivo.

Devolvi os bilhetes: “Só um terno.” Falei.

“Posso jogar fora, né?”

“Pode.” Falei com descaso.

A dúvida da encarada daquela moça estava me torturando tanto que fiz até besteira. Perguntei à minha namorada.

“Monique, hoje eu vi uma garota na rua e ela ficou me encarando um tempão. Você ach...” Nem acabei de falar.

“Que negócio é esse, Marcelo? Não; porque pra saber que ela te encarou um tempão é porque você encarou de volta, né?!” E blá, blá, blá...

Depois do árduo trabalho mental de inventar uma desculpa descente e uma história para sair rapidamente de lá, resolvi fazer a coisa mais sensata. O que eu deveria ter feito desde o começo: Perguntar à Laina, minha amante.

“...o que você acha?” Perguntei com a cara mais lavada do mundo.

“Ela só olhou? Não deu nem um sorrisinho?” Eu adoro amantes. As amantes são muito mais compreensíveis.

“Não... Precisa do ‘sorrisinho’, é?”

“Claro!”

“ Você não me deu um ‘sorrisinho’.”

“Não. Você me agarrou antes disso.”

“Você não iria me dar o ‘sorrisinho’ de qualquer jeito. Estava bêbada.”

“Isso não vem ao caso. No caso de mulher, é preciso o ‘sorrisinho’, pra ter pelo menos um pouco de certeza, né?” Um pouco de certeza. O que isso quer dizer? Um pouco de certeza? Ou se tem certeza, ou não tem.

“Como assim ‘no caso de mulher’?”

“Se fosse um cara, meu filho, eu ia rir muito de sua cara, porque com certeza ele iria ser viado!” Ela riu de qualquer jeito. Agooora ela tem certeza...

Dois dias depois, meu pai me abordou novamente, desta vez irritado. Ele sempre me abordava, só variava nos humores.

“Marcelo, você não conferiu o jogo direito!”

Ele tinha razão. Acontece que meu pai faz os mesmos jogos há 15 anos, então quando ele pegou o bilhete do jogo mais recente e conferiu com o sorteio anterior, viu que tinha acertado uma quadra.

“Vai lá fora e tenta achar o bilhete!”

“Mas já ta dentro do saco de lixo. Tudo revirado...”

“Ache meu bilhete!” E deu as costas.

Lá estava eu, com aquele grande e fedido saco preto aberto, revirando seus interiores, passando por bagos de cigarro, manchas de café e o cheiro nauseante dos dois misturados, quando levanto a cabeça e vejo aquela cena: A moça atraente vinha novamente em minha direção, me encarando e não era ela que andava rápido, mas o tempo e logo ela estava perto de mim, eu com minha boca aberta. Na verdade ela ficou aberta tanto tempo que uma mosca acabou entrando e eu fiz um movimento brusco. Acho que aquele movimento quebrou a concentração da moça que por sua vez reparou no que eu realmente estava fazendo, fez uma cara de nojo e apertou o passo. Nunca mais tive coragem de olhar pra ela.

Fui na lotérica. Toda aquela situação me deixou tão transtornado que quando me dei conta e olhei em volta, as pessoas desviavam o olhar de mim e tapavam o nariz. Eu havia esquecido de me lavar. Havia apenas uma pessoa me olhando, lá no começo da fila. Estava me encarando. Era um cara. Magrinho, tinha cabelo engomadinho, rosto branquinho e tudo mais de “inho” que se possa imaginar. Inclusive deu um sorrisinho.

domingo, janeiro 08, 2006

O ROSTO COMUM

Quando eu era mais jovem, sempre achei besteira essa coisa de dizer que certas pessoas possuem um rosto comum. Essa minha convicção foi por água abaixo quando me dei conta que EU tinha um rosto comum.
Uma vez fui comprar um material que eu precisava e no mesmo dia, fui confundido com três pessoas diferentes em três lugares diferentes.
Quando eu tinha quinze anos, parei numa locadora para alugar um filme.
"Oi Fábio! O filme que você reservou está aqui." disse a balconista. Olhei em volta. Só havia eu.
"Falou comigo?" eu disse, me aproximando.
"Foi. Olha aqui o f... Ah, desculpa, pensei que fosse outra pessoa"
No mesmo ano, eu conheci o tal do Fábio. Curiosamente, não foi na tal locadora, mas na sala de aula. Somos amigos até hoje. Mais tarde ele me contou que também era confundido o tempo todo com um tal de "Marcelo" e que inclusive havia ganho uma promoção da tal locadora - que nem sequer havia participado - por causa da confusão.
Eu bem que tentei recuperar meu prêmio, mas era tarde demais.

sábado, janeiro 07, 2006

PÉSSIMO COM NOMES

Eu sou péssimo com nomes de pessoas e datas. Sou capaz de lembrar nomes de atores de todo tipo de filme, mas se eu te conhecer agora, não faz diferença, eu esqueço seu nome antes de me dar tchau. Metade das pessoas que eu conheço diz ter o mesmo problema, mas por algum motivo, que obviamente eu ainda não descobri, eu sou quem sempre se dá mal na história. Nunca descobri o segredo pra me sair da situação embaraçosa de não lembrar o nome da pessoa.
Uma vez vi um épisódio de Seinfeld em que ele bolou uma estratégia legal: ele chama alguém para acompanhá-lo e o acompanhante toma a frente da conversa dizendo algo como: "Como ele é mal educado! Meu nome é fulano, e o seu?". Eu tentei isso uma vez.
Fui na minha velha faculdade, onde cursei Psicologia. Continuava do mesmo jeitinho: casais se chupando logo na entrada, as velhas funcionárias incitando a ira dos alunos, a cantina com seus deliciosos salgados manipulados à mão nua pelos suados cozinheiros e aquele conhecido cheirinho de ervas, um cheirinho inconfundível de papel seda queimado com toques de orgãos genitais, cuja fumaça saindo de trás de um arbusto entregava a origem. Estava acompanhado de Bubba, um velho amigo para qual, certa vez, eu narrei o tal episódio de Seinfeld e que havia feito uma promessa mútua de que um faria o mesmo pelo outro, caso rolasse a mesma situação.
Encontrei uma funcionária que tinha muito carinho por mim, que havia me ajudado em virtualmente todos os impasses burocráticos que aquela instituição poderia me oferecer, me havia pago lanche varias vezes, me dado carona, inclusive me apresentado a filha, cujo nome eu não lembro, mas lembro de ter me divertido bastante com ela. Eu também não lembrava o nome daquela generosa senhora. Ela falou comigo logo quando me viu, há uns 47 metros de distância. Ela fala muito alto. Os casais pararam de se chupar, os cozinheiros da cantina derrubaram os salgados e rapidamente os pegaram e os colocaram de volta no lugar e os estudantes detrás dos arbustos por algum motivo saíram correndo ainda com fumaça nos cabelos.
Rapidamente eu segurei o braço de Bubba. Meu amigo olhou para mim e viu minha expressão de desespero. Entendeu imediatamente o que deveria fazer.
Ainda estava enxugando a baba com cheiro de cigarro que a senhora havia gentilmente deixado em minhas bochechas e já não tinha mais nada em mente para enrola-la, quando dei uma olhada desesperada para Bubba. Meu bravo amigo prontamente se pôs em minha frente: "Oi, como vai? Eu sou Bruno." Entendam, eu estava nervoso, minha cabeça estava vazia de idéias e isso me confundiu a pensar que na falta delas só restava a ação, então eu agi: "É, esse aqui é o Bruno! E essa aqui é a..." Havia me esquecido que agora era a vez dela de falar. Podia jurar que o Bubba prendeu a respiração.

INTRODUÇÃO

Sei que o título foi meio ridículo: "Introdução". Mas é que eu vejo muito filme e leio muitos livros, então foi a primeira coisa que me veio à cabeça.
Desde pequeno eu sou um desajustado. Dá até pra imaginar o tipo de piada suja que ouço há anos por causa de meu sobrenome e que por alguma razão as pessoas sempre acham que são as primeiras a me contar.
Na minha formatura do maternal para o primeiro grau, a oradora falou meu nome em voz alta e teve um ataque de risos. Haviam mais ou menos uns oitenta pais na platéia. Todos riram.
Graças a meus "coleguinhas" de sala, que constantemente me lembravam o infeliz trocadilho, as garotas nem chegavam perto. Uma vez uma chegou. Me perguntou se eu realmente estava galado. Era aluna nova.
Apesar do purgatório, inexplicavelmente não cresci com uma baixa-estima, mas a distância que ocasionalmente mantinham de mim, me fez ver as coisas com outros olhos.
Uma professora de português da minha quarta série explicava na sala o que era reciprocidade (!!!) e usou um exemplo: "Eles se beijaram" dizendo que quando uma pessoa beija a outra recebe um beijo de volta. Nesse dia fui parar na secretaria porque discuti com a professora ao perguntar se ainda seria reciproco no caso de "eles se beijaram" significar que as pessoas beijam elas próprias. Entendeu? Deixa pra lá...
As pessoas não entendem. Não entendem porque eu sou o único ateu numa família com 86 católicos. Nem entendem que diabos eu quero fazendo faculdade pela terceira vez no curso de Mecatrônica, sendo que a primeira vez foi Psicologia e a segunda foi Artes Cênicas. A única coisa que entendem, depois de discutirem comigo pela segunda ou terceira vez, é que era melhor não terem me perguntado nada.