segunda-feira, janeiro 09, 2006

A ENCARADA

Nunca fui bom para diferenciar as encaradas. O que são as encaradas? Significa que você é atraente ou que simplesmente melou a cara de pasta de dente e não percebeu?

Certa vez, caminhava pela minha rua, quando veio em minha direção uma moça muito atraente. Ela me encarou o tempo todo até passar por mim e sumir no cruzamento. O que foi aquilo? Chequei o rosto, não tinha resto de comida, nem pasta, nem meleca, a barba estava feita e o cabelo arrumado. Por eliminação, ela deu em cima de mim! Será?

Cheguei em casa e meu pai foi logo me abordando: “Toma aqui os bilhetes da loteria, vai na Internet e confere pra mim.” Como se fosse uma longa peregrinação chegar na “Internet”. Quase pedi o dinheiro da gasolina.

Conferi o jogo e nada. Apenas um mísero terno onde os outros três números ele errou pela diferença de um. Meu pai tem talento pra isso. O pior é que ele fica eufórico: “Olha aqui, ó! Saiu 12 e eu joguei13, saiu 37 e eu joguei 38 e saiu 41 e eu joguei 40! Tá vendo? Um dia eu chego lá.” Como se a aleatoriedade de acertar na loteria fosse um processo evolutivo.

Devolvi os bilhetes: “Só um terno.” Falei.

“Posso jogar fora, né?”

“Pode.” Falei com descaso.

A dúvida da encarada daquela moça estava me torturando tanto que fiz até besteira. Perguntei à minha namorada.

“Monique, hoje eu vi uma garota na rua e ela ficou me encarando um tempão. Você ach...” Nem acabei de falar.

“Que negócio é esse, Marcelo? Não; porque pra saber que ela te encarou um tempão é porque você encarou de volta, né?!” E blá, blá, blá...

Depois do árduo trabalho mental de inventar uma desculpa descente e uma história para sair rapidamente de lá, resolvi fazer a coisa mais sensata. O que eu deveria ter feito desde o começo: Perguntar à Laina, minha amante.

“...o que você acha?” Perguntei com a cara mais lavada do mundo.

“Ela só olhou? Não deu nem um sorrisinho?” Eu adoro amantes. As amantes são muito mais compreensíveis.

“Não... Precisa do ‘sorrisinho’, é?”

“Claro!”

“ Você não me deu um ‘sorrisinho’.”

“Não. Você me agarrou antes disso.”

“Você não iria me dar o ‘sorrisinho’ de qualquer jeito. Estava bêbada.”

“Isso não vem ao caso. No caso de mulher, é preciso o ‘sorrisinho’, pra ter pelo menos um pouco de certeza, né?” Um pouco de certeza. O que isso quer dizer? Um pouco de certeza? Ou se tem certeza, ou não tem.

“Como assim ‘no caso de mulher’?”

“Se fosse um cara, meu filho, eu ia rir muito de sua cara, porque com certeza ele iria ser viado!” Ela riu de qualquer jeito. Agooora ela tem certeza...

Dois dias depois, meu pai me abordou novamente, desta vez irritado. Ele sempre me abordava, só variava nos humores.

“Marcelo, você não conferiu o jogo direito!”

Ele tinha razão. Acontece que meu pai faz os mesmos jogos há 15 anos, então quando ele pegou o bilhete do jogo mais recente e conferiu com o sorteio anterior, viu que tinha acertado uma quadra.

“Vai lá fora e tenta achar o bilhete!”

“Mas já ta dentro do saco de lixo. Tudo revirado...”

“Ache meu bilhete!” E deu as costas.

Lá estava eu, com aquele grande e fedido saco preto aberto, revirando seus interiores, passando por bagos de cigarro, manchas de café e o cheiro nauseante dos dois misturados, quando levanto a cabeça e vejo aquela cena: A moça atraente vinha novamente em minha direção, me encarando e não era ela que andava rápido, mas o tempo e logo ela estava perto de mim, eu com minha boca aberta. Na verdade ela ficou aberta tanto tempo que uma mosca acabou entrando e eu fiz um movimento brusco. Acho que aquele movimento quebrou a concentração da moça que por sua vez reparou no que eu realmente estava fazendo, fez uma cara de nojo e apertou o passo. Nunca mais tive coragem de olhar pra ela.

Fui na lotérica. Toda aquela situação me deixou tão transtornado que quando me dei conta e olhei em volta, as pessoas desviavam o olhar de mim e tapavam o nariz. Eu havia esquecido de me lavar. Havia apenas uma pessoa me olhando, lá no começo da fila. Estava me encarando. Era um cara. Magrinho, tinha cabelo engomadinho, rosto branquinho e tudo mais de “inho” que se possa imaginar. Inclusive deu um sorrisinho.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

huahauahu Marcelo, ai quem decide é você, vai ou n vai? Acredito que com sua excessiva masculinidade, pouco provável ou melhor impossível que isso venha acontecer! =P

07 julho, 2006 22:13  

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